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Quem nunca faltou com propósito (de economizar tributo), que atire a primeira pedra

No ac. 2301-011.267, de 07/05/2024, o CARF analisou autuação que desconsiderou os efeitos, para fins fiscais, da transferência da plataforma de investimento em imóveis, realizado por pessoa física. De uma estrutura que empregava pessoas jurídicas, o indivíduo passou a investir em imóveis por meio de fundos de investimento. A mudança ocorreu via reorganização societária.

O Fisco, digamos, não curtiu muito a ideia e avançou para desqualificar o planejamento, de modo atribuir ao próprio indivíduo a percepção dos rendimentos tributáveis, oriundos dos imóveis. O CARF referendou a autuação e, pelo menos neste round, o contribuinte perdeu.

O embasamento legal da acusação não ficou claro no acórdão. Arrisco-me a afirmar que possivelmente tenha sido usada uma massaroca de palavras de baixo calão, isolada ou conjuntamente, todas a ruborizar o bom administrador, como “simulação”, “abuso de direito” e “falta de propósito negocial”.

O significado de tais expressões? Bem, este é justamente o pomo da discórdia.

Há quem distinga tais vícios um do outro. E tem o Fisco, que junta tudo no mesmo balaio e cria um sentido específico e comum entre as expressões: a ausência de motivo extrafiscal, isto é, a necessidade de que as operações possuam uma justificativa econômica válida, além da mera economia de tributos, para que seus efeitos sejam aceitos pela autoridade fiscal.

Este seria um requisito nuclear para a fiscalização e a turma do CARF, mesmo que sem respaldo legal expresso. Ao assim proceder, os órgãos administrativos estariam extrapolando sua competência e atuando como legislador, o que violaria o princípio da separação dos poderes.

Mas o ac. 2301-011.267 destaca-se por corroborar outro sentido para o vício da “falta de propósito negocial”: o descumprimento da função social dos fundos de investimento.

Isso porque, segundo a fiscalização, para ser considerado como legítimo qualquer fundo de investimento deve ser constituído por diversos cotistas, no qual ocorra a comunhão de recursos captados junto ao mercado.

Acontece que existem normas emanadas de órgão administrativo competente (CVM) que expressamente permitem a constituição e o funcionamento de fundo de investimento (no caso, imobiliário) com cotista único, no qual os recursos sejam detidos por um único proprietário (e não por um condomínio), os quais tenham sido captados junto ao próprio cotista ou seu grupo econômico (e não junto ao mercado).

Com visto, existe, pois, uma tendência preocupante de criminalização de práticas de planejamento tributário no Brasil. A subjetividade envolvida na determinação do propósito negocial e de outros vícios tem desembocado em decisões inconsistentes e arbitrárias. Estratégias legítimas de otimização fiscal são tratadas como tentativas de fraude, levando a processos administrativos e até mesmo criminais contra contribuintes.