Ganhos habituais e conceitos eventuais no direito previdenciário
Por Fábio Piovesan Bozza
Advogado em São Paulo, mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Professor convidado em cursos de pós-graduação e ex-conselheiro do CARF.
Publicado no livro Contribuições no Direito Tributário. Evolução jurisprudencial no CARF, STJ e STF (MP Editora, 2021).
Delimitar os diversos aspectos de incidência das contribuições previdenciárias tem sido uma tarefa desafiadora para todos os envolvidos no recolhimento desses tributos. A Constituição Federal de 1988 autorizou, inicialmente, a incidência sobre a folha de salários e, após a Emenda Constitucional nº 20/1998, também sobre os demais rendimentos do trabalho.
Desde então, Fisco e contribuintes travam intensos debates nos tribunais para definir os limites da cobrança. O maior ponto de incerteza continua sendo a composição da base de cálculo, especialmente diante da falta de critérios uniformes.
A dúvida sobre a incidência nas verbas trabalhistas
Ao analisar a remuneração dos empregados, surge a pergunta: sobre quais verbas incidem as contribuições previdenciárias, tanto patronais quanto dos trabalhadores? Além do salário, devem ser tributadas as chamadas “conquistas sociais”, como o décimo terceiro, os adicionais, as férias e o terço constitucional? E quanto aos auxílios, benefícios previdenciários, gratificações, prêmios, abonos, bônus de contratação e “stock options”?
Essas dúvidas se multiplicam em diferentes planos normativos. Muitas regras criadas pela Constituição, leis ordinárias, decretos e instruções normativas acabam gerando contradições e estimulando a litigiosidade, justamente por introduzirem comandos ambíguos e, por vezes, extrapolarem a competência legislativa.
Diante da ausência de parâmetros claros, o Poder Judiciário é constantemente acionado para resolver conflitos. No entanto, as decisões judiciais têm se caracterizado por análises casuísticas, o que dificulta a generalização dos entendimentos. Além disso, as mudanças de posição nas instâncias superiores e a morosidade processual contribuem para a persistente insegurança jurídica.
1. A tributação de administradores, autônomos e avulsos – o precedente de 1994
O primeiro grande embate ocorreu em 1994, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário nº 166.772. Na ocasião, o STF declarou inconstitucional a cobrança da Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) sobre as remunerações pagas a administradores e autônomos, prevista na Lei nº 7.787/1989.
O Tribunal entendeu que a cobrança extrapolava a competência tributária conferida pelo artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, pois ampliava indevidamente o conceito de “folha de salários”. Para o STF, “remuneração” é gênero, e “salário” é espécie.
O ministro Marco Aurélio, relator do caso, foi claro ao afirmar:
“Descabe dar a uma mesma expressão – salário – sentidos distintos conforme o interesse em questão. O inciso I do artigo 195 cuida não de remuneração, não de folha de pagamentos, mas de folha de salários.”
Com esse julgamento, o STF firmou o entendimento de que o conceito de “salário” deve ser uniforme tanto no direito do trabalho quanto no direito previdenciário.
2. As mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 20/1998
Os limites impostos pela decisão do STF foram superados posteriormente, em duas etapas. Primeiro, com a Lei Complementar nº 84/1996, editada com base na competência residual prevista no artigo 195, §4º da Constituição. Em seguida, com a Emenda Constitucional nº 20/1998, que atualizou a competência tributária para abranger outros rendimentos do trabalho, além do salário.
Essas mudanças reconfiguraram o cenário jurídico, ampliando o alcance da tributação previdenciária e reduzindo parte da controvérsia anterior. Ainda assim, diversas discussões permanecem abertas, especialmente sobre a natureza habitual ou eventual de determinadas verbas e seus efeitos na base de cálculo das contribuições



















