logo linkedin

“Não há mal que sempre dure, nem indenização especial que não seja tributada” (parte 2)

Continuando nossa discussão sobre a natureza jurídica da “indenização especial”, prevista em Acordo Coletivo do Trabalho (ACT) e paga no contexto de rescisão de contrato de trabalho, sem justa causa.

De acordo com o ac. 9202-011.714, de 21/03/2025, há incidência de contribuição previdenciária porque se trata de “uma gratificação ajustada que é paga ao final do contrato de trabalho. É um prêmio dado ao trabalhador pelo tempo que esteve à disposição do empregador e por não haver dado causa à demissão”.

Desculpe, mas não vejo assim.

Quem perde o emprego não fica gratificado ou se sente premiado. O único reconhecimento que existe nessa circunstância é a eleição feita pelas partes de que a relação de emprego constitui um direito do empregado e que a sua ruptura, sem justa causa, por decisão unilateral do empregador, enseja o pagamento de uma indenização.

Não é preciso ir muito longe para alcançar tal conclusão. Veja as hipóteses constantes do art. 28, §9º, “e” da Lei 8.212/91, que cuida da isenção e/ou não incidência da contribuição previdenciária, e que tem proximidade fática com a “indenização especial”: FGTS e a multa por rescisão sem justa causa, por parte do empregador (item 1); a indenização por rescisão antecipada do contrato de trabalho por tempo determinado, pelo empregador (itens 3 e 4); a indenização recebida a título de incentivo à demissão (item 5); a indenização recebida pelo empregado dispensado, sem justa causa, no período de 30 dias que antecede a data de sua correção salarial (item 9).

Além disso, a comprovação do caráter normativo da “indenização especial” é dado pelo Acordo Coletivo de Trabalho (ACT). A inclusão da verba em um ACT assume papel central na proteção dos direitos do trabalhador, pois decorre do resultado da negociação entre sindicatos e empregadores. Ao estabelecer a indenização, a convenção não trata meramente de um benefício eventual, mas de uma obrigação pactuada com eficácia normativa.

Do ponto de vista jurídico, os ACT adquirem força de lei no âmbito das relações de trabalho, sendo de aplicação obrigatória para as partes envolvidas. Essa característica reforça o princípio da autonomia coletiva, permitindo que os acordos supram lacunas deixadas pela legislação tradicional, desde que não contrariem direitos indisponíveis.

E se todos esses argumentos não forem suficientes, há ainda o argumento residual da não incidência sobre “ganhos eventuais”, mas aqui tomado na acepção dada pelo Tema STF 20. “Ganhos eventuais” seriam a antítese dos “ganhos habituais”. E somente os “ganhos habituais” estariam submetidos à contribuição previdenciária, assim entendidas “aquelas parcelas pagas com habitualidade, em razão do trabalho, e que, via de consequência, serão efetivamente passíveis de incorporação aos proventos da aposentadoria”. Ufa!
A controvérsia reside na natureza jurídica dessa verba: seria ela indenizatória, e, portanto, não tributável pela contribuição previdenciária, ou possuiria caráter remuneratório, sujeitando-se à tributação?

No julgamento pela câmara baixa (ac. 2301-005.784), os valores de “indenização especial” restaram excluídos da base de cálculo das contribuições previdenciárias. Esse entendimento baseava-se na premissa de que tais pagamentos configuravam “ganhos eventuais”, conforme previsto no art. 28, § 9º, “e”, item 7, da Lei 8.212/91.

No entanto, no julgamento pela CSRF, prevaleceu no ac. 9202-011.714 que a previsão da “indenização especial” em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) a torna uma verba “esperada” e “previsível”, descaracterizando, assim, sua eventualidade. Além disso, a decisão negou a natureza indenizatória da verba, classificando-a como um “acréscimo patrimonial” ou uma “espécie de gratificação” paga pela dispensa, sem que houvesse comprovação de um “prejuízo patrimonial” sofrido pelo empregado.

Minha visão sobre a natureza jurídica da “indenização especial”: (a) não há ganho eventual, mas (b) há indenização expressamente prevista em lei (art. 214, §9º, V, “l” do Decreto 3.048/99).

O conceito de ganho eventual não é singelo. O Fisco entende que “o ganho eventual é aquele que independe da vontade do trabalhador e de seu desempenho, sendo concedido por liberalidade do empregador sem que haja qualquer expectativa por parte do empregado (…)” (SC Cosit 126/14), o que para mim faz sentido, embora o conceito necessite ser mais bem trabalhado.

Em síntese, entendo o ganho eventual como o valor recebido que (i) não constitui retribuição pelo trabalho (desvinculação do salário); (ii) não é realizado com regularidade temporal (eventualidade ou não-habitualidade), (iii) não se baseia em um compromisso prévio (imprevisibilidade) e (iv) acresce o patrimônio do beneficiário (não é uma indenização ou compensação). Está mais próximo, portanto, a uma doação.

A “indenização especial” em comento não trata de ganho eventual, pois somente preenche os requisitos (i) e (ii) supra.

No próximo “post” veremos a razão para qualificá-la como indenização expressamente prevista em lei.

Uma dessas fragilidades está no sigilo e na falta de transparência dos critérios usados para calcular o Potencial Razoável de Recuperação Judicializada (PRJ), introduzido pela Portaria PGFN 721/2025. Como a metodologia é resguardada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e não é divulgada ao contribuinte, muitos negociadores sequer conhecem a fundo as bases que definem seus próprios descontos e condições. Segundo dados recentes, 72% dos contribuintes sentem-se em desvantagem nesse processo, enfraquecendo a confiança no instrumento e abrindo espaço para assimetrias nos acordos firmados.

Outro ponto sensível está nas restrições para utilização de créditos fiscais, como prejuízo fiscal, na amortização das dívidas. Esse impedimento reduz a atratividade da transação para parte relevante das empresas, especialmente aquelas que, em função de oscilações econômicas, acumulam créditos fiscais e buscam regularização. Soma-se a isso a vedação de descontos para débitos garantidos por depósitos judiciais, o que penaliza exatamente o contribuinte que adotou conduta mais conservadora e colaborativa (?!?!).

Por último, existe o risco do chamado “moral hazard”: estatísticas mostram que empresas com histórico de inadimplência ou de contestações múltiplas tendem a se beneficiar mais das condições excepcionais de transação, em detrimento das que sempre buscaram a adimplência espontânea. Isso pode gerar incentivos distorcidos, premiando maus pagadores e tornando o sistema menos justo, como ficou célebre nos programas Refis “da vida”. Houve, pelo menos, nove grandes programas federais de REFIS desde 2000 (alguns reeditados ou reabertos mais de uma vez). Tais parcelamentos se tornaram recorrentes, sendo praticamente anuais.

Reconhecer e debater esses calcanhares de Aquiles é fundamental para o aprimoramento da transação tributária. O avanço contínuo dependerá de mais transparência, revisão de vedações e adaptações que preservem a equidade e a efetividade do sistema, sem criar brechas que comprometam a justiça fiscal e a confiança dos contribuintes.