O acórdão 9202-011.714, de 21/03/2025, julgado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, alerta-nos sobre a incidência de contribuições previdenciárias sobre as chamadas “indenizações especiais” pagas no contexto de rescisões de contratos de trabalho.
A controvérsia reside na natureza jurídica dessa verba: seria ela indenizatória, e, portanto, não tributável pela contribuição previdenciária, ou possuiria caráter remuneratório, sujeitando-se à tributação?
No julgamento pela câmara baixa (ac. 2301-005.784), os valores de “indenização especial” restaram excluídos da base de cálculo das contribuições previdenciárias. Esse entendimento baseava-se na premissa de que tais pagamentos configuravam “ganhos eventuais”, conforme previsto no art. 28, § 9º, “e”, item 7, da Lei 8.212/91.
No entanto, no julgamento pela CSRF, prevaleceu no ac. 9202-011.714 que a previsão da “indenização especial” em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) a torna uma verba “esperada” e “previsível”, descaracterizando, assim, sua eventualidade. Além disso, a decisão negou a natureza indenizatória da verba, classificando-a como um “acréscimo patrimonial” ou uma “espécie de gratificação” paga pela dispensa, sem que houvesse comprovação de um “prejuízo patrimonial” sofrido pelo empregado.
Minha visão sobre a natureza jurídica da “indenização especial”: (a) não há ganho eventual, mas (b) há indenização expressamente prevista em lei (art. 214, §9º, V, “l” do Decreto 3.048/99).
O conceito de ganho eventual não é singelo. O Fisco entende que “o ganho eventual é aquele que independe da vontade do trabalhador e de seu desempenho, sendo concedido por liberalidade do empregador sem que haja qualquer expectativa por parte do empregado (…)” (SC Cosit 126/14), o que para mim faz sentido, embora o conceito necessite ser mais bem trabalhado.
Em síntese, entendo o ganho eventual como o valor recebido que (i) não constitui retribuição pelo trabalho (desvinculação do salário); (ii) não é realizado com regularidade temporal (eventualidade ou não-habitualidade), (iii) não se baseia em um compromisso prévio (imprevisibilidade) e (iv) acresce o patrimônio do beneficiário (não é uma indenização ou compensação). Está mais próximo, portanto, a uma doação.
A “indenização especial” em comento não trata de ganho eventual, pois somente preenche os requisitos (i) e (ii) supra.
No próximo “post” veremos a razão para qualificá-la como indenização expressamente prevista em lei.
Uma dessas fragilidades está no sigilo e na falta de transparência dos critérios usados para calcular o Potencial Razoável de Recuperação Judicializada (PRJ), introduzido pela Portaria PGFN 721/2025. Como a metodologia é resguardada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e não é divulgada ao contribuinte, muitos negociadores sequer conhecem a fundo as bases que definem seus próprios descontos e condições. Segundo dados recentes, 72% dos contribuintes sentem-se em desvantagem nesse processo, enfraquecendo a confiança no instrumento e abrindo espaço para assimetrias nos acordos firmados.
Outro ponto sensível está nas restrições para utilização de créditos fiscais, como prejuízo fiscal, na amortização das dívidas. Esse impedimento reduz a atratividade da transação para parte relevante das empresas, especialmente aquelas que, em função de oscilações econômicas, acumulam créditos fiscais e buscam regularização. Soma-se a isso a vedação de descontos para débitos garantidos por depósitos judiciais, o que penaliza exatamente o contribuinte que adotou conduta mais conservadora e colaborativa (?!?!).
Por último, existe o risco do chamado “moral hazard”: estatísticas mostram que empresas com histórico de inadimplência ou de contestações múltiplas tendem a se beneficiar mais das condições excepcionais de transação, em detrimento das que sempre buscaram a adimplência espontânea. Isso pode gerar incentivos distorcidos, premiando maus pagadores e tornando o sistema menos justo, como ficou célebre nos programas Refis “da vida”. Houve, pelo menos, nove grandes programas federais de REFIS desde 2000 (alguns reeditados ou reabertos mais de uma vez). Tais parcelamentos se tornaram recorrentes, sendo praticamente anuais.
Reconhecer e debater esses calcanhares de Aquiles é fundamental para o aprimoramento da transação tributária. O avanço contínuo dependerá de mais transparência, revisão de vedações e adaptações que preservem a equidade e a efetividade do sistema, sem criar brechas que comprometam a justiça fiscal e a confiança dos contribuintes.